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quarta-feira, 4 de abril de 2012

Sobre gavetas

O universo posto em gavetas
nossas tralhas e joias no mesmo lugar
dividindo espaço no esquecimento
frutas apodrecidas, fotos rasgadas
(comida para os cupins e traças)
cantando por tempo incerto a balada dos dias de glória
à espera do destranque

- prova de fogo do quê restará

Meu coração é gaveta trancada com a chave dentro.







Matheus Torres

sábado, 31 de março de 2012

Perto

Na terra cravos os dedos
Unhas imundas, braços exaustos:
Como prisioneiro abro túneis


Apago meus rastros,
Fujo das rotas,
As placas deixo em chamas


Rasgue os mapas,
Quebre tuas bússolas


E se tu por acaso
Ou desventura
Nas infinitas milhas que me arrasto cair
Pegue o retorno


Não percebestes?
Todos os seus frágeis caminhos
Em mim
São o fim.


Matheus Torres

Primaverinfância

Escalávamos as árvores e permanecíamos escondidos entre as folhas e os frutos, equilibrando nos galhos mais firmes. Você segurando o saco pardo de pão camuflando o vinho barato roubado, eu os cigarros e fósforos surrupiados do meu avô cego.



Não me lembro das promessas, muito menos dos sonhos. Seu nome era qual mesmo? Bem me recordo você era a filha do Seu Arthur, morta pela cocaína tempos atrás.


O quê me dilacera é lembrar como descíamos dos galhos tranquilamente. Eliminávamos as provas da nossa rebeldia e éramos novamente crianças que tomavam leite quente antes de dormir.

Hoje me afogo estatelado nas folhas secas e confundo-me às calçadas rachadas e imundas.

Não nos importávamos com a vizinha gritando por socorro enquanto o marido alcoólatra a espancava durante a noite. Dançávamos no asfalto sob as luzes das ambulâncias e viaturas policiais.


Matheus Torres

sexta-feira, 30 de março de 2012

Os novos desafios no estímulo à leitura e à escrita.

Por Efraim Oscar Silva

Professora da UFSCar fala como se pode contribuir para esse aspecto da formação de crianças e jovens.


    Além de lecionar na UFSCar, a Professora Doutora Maria Sílvia Cintra Martins, do Departamento de Letras, orienta o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) - UFSCar Letras, na E.M.E.B. Professora Dalila Galli, em São Carlos. Esse trabalho, feito conjuntamente por professores e alunos da Universidade e pela comunidade escolar, desenvolve ações de leitura e escrita entre as crianças e pré-adolescentes. Um dos resultados é o Jornal do Dalila, distribuído na Escola e já na segunda edição.


FIM DE NOITE - A senhora contribui para a formação de futuros professores nos cursos de graduação da UFSCar. Como vê essa nova
geração de graduandos, principalmente das licenciaturas? O que se pode esperar dela?

          De um modo geral repito – na linha de certa fala de Clarice Lispector – que o importante pela vida afora são os sonhos que nos movem na juventude. Nesse sentido, o que posso esperar da juventude – esperar no sentido de ter esperanças, de alimentar utopias – o que posso esperar é que sonhem, dentro do grande lema pessoano de que “tudo vale a pena, se a alma não é pequena...”

FIM DE NOITE - Como se pode estimular uma criança ou um adolescente a ter mais intimidade com o ato de ler e escrever? O que se pode fazer para que o aluno se dedique à leitura e à escrita de forma natural e prazerosa?

          Parece-me que o principal mesmo é a atitude do professor em termos da visibilidade que transmite sobre seu compromisso com a leitura, a forma com que transpira, não apenas um certo amor piegas pelos livros (pois isso pode, inadvertidamente, adquirir um teor moralista no sentido perverso do termo), mas uma curiosidade genuína pelo desvendamento do mundo e das palavras, ou da palavramundo, como diria Freire. Em certo sentido, mais importante que o amor pela leitura dos livros, é o amor pela leitura do mundo, pela escuta das palavras alheias, pela reflexão, pela dúvida. É isso, assim acredito, esse tipo de postura do professor diante do mundo e das palavras que pode genuinamente motivar nos alunos o gosto pela leitura. Já sobre a escrita (pois leitura e escrita são dois processos diferentes que se encontram aqui e ali), o importante é permitir que ela desabroche, criar oportunidades para que as pessoas sintam vontade de escrever movidas por sentimentos, e que, com isso, vão adquirindo a familiaridade com as palavras.


FIM DE NOITE - Fale-nos sobre a sua participação e de seus orientandos no PIBID desenvolvido na Escola Municipal Professora Dalila Galli. Quais são os desafios enfrentados por vocês?

          Talvez o principal desafio seja aquele de aprender a escutar, de aprender a não subestimar o trabalho alheio, de aprender que na esfera acadêmica enfrentamos certos desafios e, no ambiente escolar, os professores e alunos enfrentam outros desafios, de modo que se faz necessário muito respeito e muito silêncio, de forma a que não queiramos transportar, afoitamente, assim que atravessamos o portão de uma escola, certas visões a que nos acostumamos na convivência universitária, ou mesmo certa presunção supostamente erudita, superior ou infalível.

FIM DE NOITE - Uma das dificuldades que sentimos como estudantes da UFSCar é que, talvez em virtude do tamanho do campus de São Carlos e do grande número de cursos, há uma “invisibilidade” do conjunto da produção acadêmica. De que forma se poderia superar esse problema?

          O sistema da INFOREDE tem contribuído bastante para a divulgação dos diversos cursos e eventos que se dão no campus de São Carlos, e mesmo nos outros campi. Há, no entanto, muitos alunos que não possuem seu cadastramento no sistema de e-mails da polvo, que nem sabem que isso existe. Outra forma de acesso à produção acadêmica seria a frequência mais assídua à Biblioteca Comunitária, que além de um acervo significativo, possui também o serviço de “empréstimo entre bibliotecas”. O fato é que, sempre que vou à BCo, a impressão que tenho é que, proporcionalmente ao tamanho de nossa comunidade acadêmica, ela sempre se encontra relativamente vazia.

FIM DE NOITE - Se a sua casa fosse tomada de repente, como acontece às personagens do conto “A casa tomada”, de Júlio Cortázar, e a senhora só pudesse levar um livro - um só - da sua biblioteca, qual a senhora levaria e por quê?

          Agora você me pegou, hein? Será que eu não poderia sair sem nenhum livro? Só lamentaria, é claro, que não tivesse havido tempo para eu doar todos os meus livros a uma biblioteca pública antes que a casa fosse tomada, pois assim aqueles volumes se tornariam acessíveis a todos, e não só a mim... Eu não me sentiria bem, de resto, assim, agarrada a um único livro.

Devorabit

Temperam-me as amargas angustias e a insípida rotina, assim
Devora-me o faminto caos e a inquietação que em mim
restou

Limpem os pratos e os talheres
Servido posto à mesa para os engenhosos dentes
dessa arquitetônica quimera
estou.



Matheus Torres.

Analândia

Cuidado. Você pode não achar a saída.
A partir daqui não há volta.
Seja bem vindo à Analândia.


Analândia

     Sob este universo e a lei de Descartes está Analândia: vilarejo com aproximadamente 8.088 parasitas, 0880 fungos, 80 e tantos pensamento indesejados e uma analandense: Ana.
     Ana era estranha, e disso até ela sabia. Tudo em Analândia era redondo... Por que ela era reta? Ela fazia seu melhor; seu vestido já gasto parecia um enorme balão colorido, seu cabelo – contra a ditadura dos caracóis – estava sempre arrumado em dois enormes coques. Coitadinha, por mais que ela tentasse, seu corpo magricela era comprido e nem mesmo na hora de dormir uma conchinha ele fazia. Mas Ana tentava.
     Ana gritava. Era a única coisa que sabia fazer. Gritava, gritava, gritava e gritava até raiar o dia, e depois gritava mais ainda. Ela tentava fazer suas ondas sonoras, como que sabão, formarem lindas bolhas; tudo o que conseguia eram formas geométricas mais que tortas. Porém um dia tudo mudaria. Um certo passarinho, atingido por um quase polígono, caiu sobre ela.
     Com a asa quebrada o passarinho, que agora Ana cuidava, para ela cantava. Por sua causa tudo em Analândia se transformara, tudo se invertera. Ana vestia tubinho, seus cabelos ganharam channel. Ela tinha o contrário e até mesmo seu nome se acostumara a ele. Seus lábios, que antes formavam a tentativa de um “O” agora estavam selados e alinhados.
     Ali: som, vindo diretamente da gaiola, uma melodia perfeita. Ana amava ouvir, Ana amava ver, Ana amava ter; mas ele precisava de respirar, precisava de ar, precisava voar. Foi para evitar outra morte mais que sofrida que uma portinhola se abriu, um assovio de ar se ouviu, uma pena caiu.
     Analândia: 8.089 parasitas, 0881 fungos, 80 e tantos pensamentos indesejados e uma analandense: Ana.
     Analândia, Ana e Ana, Ana morta, Ana anda. Ana.
     Porque no céu doía menos. Porque só Ana doía menos. Porque doía menos acertar do que aprender errando. Agora ela sabia. Agora ela entendia. Agora seu mundo era reto e quieto.

Shhhhhhhhhhhh ...


Ana Esther

Equalização

     À sudoeste da Argentina localiza-se uma região chamada Brasil. Esta nação, até então desconhecida, vem atraindo a atenção de toda a imprensa mundial em detrimento da morte de uma senhora: Mrs. Hope – ou Sra. Esperança no dialeto local
     Apesar de duvidosas, há provas recentes de sua existência por volta da década de 80. Nativos dizem que após a ocorrência de certos fatos – por nós desconhecidos – foi perseguida por todo o país e abrigou-se em seu esconderijo – cuja localização também permanece desconhecida – até o momento de seu falecimento. A hora e causa da morte não se sabem ao certo e os culpados são mantidos sob sigilo federal. Seu enterro, marcado para o período noturno, é acompanhado por um carnaval mudo de almas gritantes que invade todo o país, juntamente com a população em uma proscissão de enorme escala puxando uma grande carroça com seu caixão.
     Com a comoção geral das nações de todo o planeta, gostaríamos de expressar aqui nossos pêsames:
                        
                        Mrs. Hope
                         Vá em paz, e que Deus abençoe a sra. e a esta grande farmácia chamada Brasil.


Ana Esther

quarta-feira, 14 de março de 2012

Entre Janelas (Compilação)

Molhando o indicador folheou a agenda telefônica pelas páginas amarelas correspondentes à letra T.
Fechou-a. Não encontrou na cidade nenhum traficante de felicidade.
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O telefone toca, a campainha estala lá de fora, o correio nunca erra a correspondência e até bilhete passado pelo vão da porta deixam. Sabem meu número e endereço. Farei umas perguntas a eles, assim me ajudam a me encontrar nessa perdição de todo eu.
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; meu pensamento é poesia, canta o lirismo que vejo por esses dois olhos míopes. Não daqueles belos correndo na grama toalha vermelha pic nic. A métrica é dos aleijados sem dentes abandonados ignorados tementes a Deus nosso Senhor Jesus Cristo as mãos imundas estendidas uma moeda por favor. O ritmo dos necessitados correndo de sol a sol batendo de casa em casa tem pão duro? o suor molhando a testa lavando a alma amarga.

Passo a passo calçada após calçada balas compradas no farol é a arte da rua que minha mente canta. Essa vida dura e seca: a elegia da nossa gente.
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Olhe com que facilidade os pássaros se equilibram serena e elegantemente nos fios elétricos desses postes.

E a gente aqui com os dois pés no chão, caindo dia sim, dia não. Sem serenidade ou elegância, um pouco de sangue na boca e por azar alguns dentes quebrados. Sem asas e, por vezes, vontade de se levantar.
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Caneta piloto preta em mãos. Não escrevia poesias em um caderno velho de folhas amareladas, não desenhava faces anônimas com corpos de homem palito esquálido na parede mal rebocada, muito menos transcrevia na pele - por sobre todas as marcas e a fuligem da cidade - os versos de suas músicas preferidas. O canetão corria com dificuldade pelo lençol branco da cama de casal: linhas tracejadas. Uma silhueta de gente delimitando a ausência, denunciando a escova abandonada no armário do banheiro e justificando essa insônia mortificada de cada dia.
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Não marque nada comigo. Aponte o cano de uma arma carregada no meio da minha boca mas não me dê uma data da semana, um número do mês no calendário pendurado sobre o azulejo.
O movimento dos ponteiros me dói em carne viva.






Matheus Torres

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Uma História de Apartamento

        O alfaiate dá os retoques finais no smoking, quando diz:
        - Homem, por Deus do céu! Tente ficar quieto enquanto eu tento passar o broche e ajeitar essa flor em seu bolso.
        O esforço é enorme, mas não há nada que o faça parar de tremer. Os convidados já devem estar terminando de se ajeitar em suas casas com suas melhores roupas, sapatos novos, carros bem lavados. É muita pressão para um homem que apenas há alguns meses havia conseguido dizer pela primeira vez que amava alguém. Então ele diz ao alfaiate:
        - Amigo, já que nesse momento eu não posso fazer isso, vá lá e tome um drink por mim. Acho que eu consigo dar um nó nisso sozinho.
        A gravata e o drink eram apenas um pequeno pretexto. Desde que havia pedido ela em casamento não conseguia ficar sozinho um só dia. Pessoas preocupadas, pessoas fazendo perguntas, ajudando com os preparativos dizendo coisas legais, pessoas tentando serem legais...essa coisa toda.
        Foi um dia incrível! Todos estavam felizes. A mais sincera felicidade. Sinceridade como ela realmente é muitas vezes, rara e imediata. O salão é magnífico. Todo trabalhado em madeira, no melhor estilo pós-segunda guerra. Mesas alinhadas e com os arranjos mais encantadores que poderiam existir. De frente para as mesas está o palco onde a banda toca. Nada de músicas de outros artistas. Apenas músicas próprias. São grandes amigos do noivo e extremamente competentes no que fazem. Amam o que fazem. Casais dançam juntos, as crianças dançam com os velhos, os mais tímidos contentam-se em apenas bater o pé no ritmo da música enquanto estão sentados e existem também aqueles que estão quase esquecendo o que estão fazendo ali, pois beberam whisky demais.
        Não convidaram muita gente, na verdade isso não era necessário, não era uma festa para os convidados. Era a festa do dia mais feliz e dos sentimentos mais esquisitos que já sentiram. Era a festa dos noivos.
        Todos os homens já haviam afrouxado as gravatas, outros com a camisa por fora das calças, as crianças exaustas nos colos de suas mães. Foi um dia incrível. Poucos convidados, porem os mais sinceros. Foi um dia incrível!
        Mas neste momento ele está sentado olhando para a metade da cerveja que resta na garrafa em cima do balcão do bar e pensando em tudo isso. “Como aquele dia foi incrível”. Pede outra cerveja depois de terminar aquela. O barman atende ao pedido, mas não pode deixar de notar o aspecto do homem enquanto atendia outro cliente.  Depois de atender o cliente ele volta, abre outra garrafa e diz:
        - Essa é por minha conta.
        - Oh! Obrigado, cara. Como se chama?
        - Lou.
        - Obrigado, Lou.
        - Não é nada.
        - Meu nome é Thom. Thomas, na verdade. Mas pode chamar de Thom.
        Lou olha para a mão esquerda de Thom para ter certeza e diz:
        - Você está desarmado, não é, companheiro? Tudo em que você acreditou até agora parece ter voado pela varanda, não é mesmo? São incríveis as coisas que fazemos às vezes apenas porque estamos cansados ou embaraçados com alguma coisa. Arruinamos tudo com tanta facilidade. – Thom não consegue dizer nada, apenas continua ouvindo. – Eu acho que você deveria voltar lá o mais rápido possível, antes que isso se torne uma coisa pior do que a que você está imaginando que seja. Sabe por quê? Por que se não daqui a pouco vocês dois estarão dormindo de roupa com a desculpa de esperar o inverno passar. – Thom ri. – Sabe, Thom, você deveria voltar pra casa, abraçar ela no sofá por algumas horas enquanto toca a melhor música que vocês um dia já ouviram juntos. E sabe o que mais? Você poderia cantar pra ela também. Sim! Isso mesmo. Não há nada de errado com isso. Sabe por que tudo isso? Porque você está esquecendo o motivo pelo qual foi pego por essa mulher, meu amigo. Volte pra casa, hoje é sexta-feira. Fique com ela, não saia de casa por nada, espere até que alguém venha procurar por vocês. Faça tudo o que a TV diz, brinquem com as confusões das suas mentes, sente atrás do sofá junto com ela e espere ansioso por outro dia diferente como esse, companheiro.
        - Por que você está me dizendo tudo isso, Lou?
        - Thom, olhe bem pro meu rosto e me diga quantos anos você acha que eu devo ter.
        - Quarenta e poucos.
        - Cinquenta e dois, amigo.
        - Agora olhe pra minha mão esquerda. – Lou levanta a mão na altura do peito. Não havia aliança. – Um dia eu já estive ai sentado no teu lugar, mas achei que não deveria voltar pra casa tão cedo. Depois disso eu vim parar aqui do outro lado do balcão pra não ter que beber toda essa porcaria que você pode ver por aqui.
        Thom pagou a conta, agradeceu Lou e entrou no carro. Chegou, estacionou na garagem do subsolo e depois pegou o elevador. Tinha as chaves, mas resolveu tocar a campainha. Ela abre a porta e os dois se olham por alguns segundos sem dizer nada. Olhos nos olhos. Depois daquela conversa com Lou parecia que estava vendo ela pela primeira vez na vida e estivesse se apaixonando de novo. Ele passa a mão no cabelo dela, levanta o seu queixo que agora está caído junto com o resto de seu rosto fino, trás o olhar dela de volta junto ao dele e diz:
        -Não se preocupe, ok? Tudo vai ficar bem enquanto ainda tivermos nossos olhares e os nossos perfumes. – Ela sorri, pega em sua mão e leva-o pra dentro do apartamento.

Filipe Lemos

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Sem Título

E então você desaparece e de repente sente como se estivesse num caminho em que cada passo seu soa como a mais extrema agudez e existem portas nesse caminho, mas em cada tentativa de abrir uma porta que não deve ser aberta algo soa como um alarme... e seus passos continuam agudos e reverberantes. Nunca é um caminho fácil... Deus do céu, como não é!
        Não existe mais ninguém ao seu redor para que você possa se contrastar, se destacar ou ser reprimido. Você não é mais um signo e os caminhos do pensamento estão por todos os seus ossos e você permanece ali, imóvel. Resiste o máximo que pode. Salve o seu trono! Mas não consegue. Basta estar de pé para cair. Sempre estaremos de pé para cair de alguma forma. Eu ficarei para ouvir a chamada.
        Golpe de sorte? Força do Destino? Nesse momento parece que suas próprias roupas são roupas emprestadas. As canções são de lugares que ninguém conhece. E preso nos laços que nós mesmos tecemos nos inclinamos para saudar alguém superior. Você. Isso mesmo. É estranho, mas é você. Você com a mente acima do tempo e (você) ele diz: “É meio frio aqui, mas eu... eu me sinto muito bem em poder ver você, cara. E eu...eu espero mesmo que você encontre um caminho melhor e... é a gente sempre consegue. Mesmo que faça tanto tempo eu só quero que saiba que é bom te ver, sabe como é. E mesmo quando tudo o que temos muda podemos ser cuidadosos, gravar e depois chamar de experiência. E eu... eu vou sempre estar por aqui, mesmo nos feriados e... você deveria me ligar algumas vezes também, eu sempre vou estar por aqui e também não preciso dizer que você não paga nada por isso, certo? Até mais. Espero te ver mais vezes.”
        E então você volta! Suas mãos estão afastadas de tudo. Você não toma as decisões sozinho. Cumprimente o Grandioso, essa é a hora. Mente acima do tempo. Mente no tempo. Sua mente ao longo do tempo.

Filipe Lemos.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O Narrador

       Acorda. Levanta. Lava o rosto. Ascende um cigarro. Toma um gole de café...depois um gole de café com leite. Outro cigarro. Escova os dentes. Sai de casa depois do almoço, encontra os amigos, falam besteira, bebem juntos, fumam juntos, comem juntos. Ouvem musica. Passam mal juntos...
        Não sabe direito aonde está acordando. Olha para um lado, outro lado em seguida, tudo isso lentamente. Ressaca! Está na garagem de um amigo. O amigo está dentro do carro que não funciona – de ressaca também. Não deve fazer idéia de onde esta dormindo.
        Levanta. Ascende um cigarro. Tenta acordar o amigo. Dessa vez não tem café. Só em casa. Abre o portão...
        Poderia dizer que este sujeito sou eu, ou melhor, fui assim um dia. Hoje apenas digno de ser narrado. Digo que fui – o que já não existe mais. Do contrario não seria possível narrá-lo.  Narramos o que não existe ou o que pode vir a existir, mas se existir será difícil de narrar. Posso narrá-lo porque hoje tenho domínio sobre sua breve existência. Conheço tudo o que pensou, desejou e deixou de sentir... e posso dizer com completa certeza que tudo não passou de um breve sonho  (relato, se preferir assim). Divertido, porem um sonho. Vejo muitos iguais a ele ao meu redor ainda hoje, em todo lugar que eu vá. Imersos na vida que outras pessoas vivem por eles; sacrificando suas expectativas e seus desejos mais puros e sinceros em troca da maldade que os seus próximos esperam ver neles. É triste... mas é um relato que não tenho competência para narrar. Cada narrador deve descobrir seu próprio personagem principal e quem sabe um dia narrar algo sobre ele.
        Enfim, este sou eu; fui assim; não existe mais eu. Para muitos teóricos agora apenas Narrador.

Filipe Lemos

Dream Box

He put my dreams in a box.
Pus. 
Puto ...
Putésimos!
Pulícia!
Parado!
Tarado!
Barato!
Barras,
Banho,
Blood.
They put my dreams (and body) in a box.
Puseram.
Putos.
Putésimos!
Palmas.

Ana Esther

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Música do Dia

Elevator Music - Beck, por Filipe Lemos.

Prata e Ouro

Neste momento eu vago por toda essa poeira que dá o toque final na cidade devastada. É impressionante ver do que fomos capazes. Os mares secaram, os ventos se acalmaram. Arranhásseis desmoronaram, ruíram até o pó e seus esqueletos serão cobertos pela ferrugem... e eu temo estar morrendo por dificuldades. Dificuldades causadas pelas coisas que eu deixei sem terminar e todas as dívidas que ficaram pendentes, me sinto como um aleijado sem muletas. Sempre pau-prá-toda-obra, mas nunca mestre de alguém. Também havia meu pai, sempre olhando as coisas pelo lado bom, dizendo coisas como: “Filho, a vida não é tão dura assim.” Ele era um grande otimista, eu... o mais miserável pessimista do mundo. Devo ter puxado minha mãe... e tudo que eu amei e temi, de uma só vez, desapareceu.
Mas já estou cansado de vagar por estas ruínas, não a nada que tenha sobrevivido ou que se sustente em pé. Sento-me por um pouco de tempo no que sobrou do velho píer para descansar e olhar o mar calmo e o céu acinzentado, pois a cores caíram do céu, montanhas foram meramente removidas da terra e prata e ouro perderam todo seu valor.
Atrás de mim existe apenas o reflexo do que havia em muitos corações que até então existiam: devastação. Se estivessem aqui deveriam se orgulhar, pois nada foi tão fiel a imagem e semelhança do homem. Bombardearam. Bombardearam tudo que foi possível. Talvez a missão fosse essa mesmo, atingir o ultimo estágio da perfeição: reduzir o homem inacabado ao nada – já que o contato permanente com o presente levou muitos de nós ao terrível desespero metafísico. Na verdade tudo sempre esteve destruído há muito tempo, as bombas foram apenas para não deixar dúvidas... e tudo que eu amei e temi, de uma só vez, desapareceu.
Então eu acordei deste sonho coberto por um suor frio, cheio de dúvidas e um profundo pesar. Por um instante tudo estava bem claro pra mim, não resta mais nada em que acreditar... e tudo que eu amei e temi, de uma só vez, desapareceu.

Filipe Lemos.