O alfaiate dá os retoques finais no smoking, quando diz:
- Homem, por Deus do céu! Tente ficar quieto enquanto eu tento passar o broche e ajeitar essa flor em seu bolso.
O esforço é enorme, mas não há nada que o faça parar de tremer. Os convidados já devem estar terminando de se ajeitar em suas casas com suas melhores roupas, sapatos novos, carros bem lavados. É muita pressão para um homem que apenas há alguns meses havia conseguido dizer pela primeira vez que amava alguém. Então ele diz ao alfaiate:
- Amigo, já que nesse momento eu não posso fazer isso, vá lá e tome um drink por mim. Acho que eu consigo dar um nó nisso sozinho.
A gravata e o drink eram apenas um pequeno pretexto. Desde que havia pedido ela em casamento não conseguia ficar sozinho um só dia. Pessoas preocupadas, pessoas fazendo perguntas, ajudando com os preparativos dizendo coisas legais, pessoas tentando serem legais...essa coisa toda.
Foi um dia incrível! Todos estavam felizes. A mais sincera felicidade. Sinceridade como ela realmente é muitas vezes, rara e imediata. O salão é magnífico. Todo trabalhado em madeira, no melhor estilo pós-segunda guerra. Mesas alinhadas e com os arranjos mais encantadores que poderiam existir. De frente para as mesas está o palco onde a banda toca. Nada de músicas de outros artistas. Apenas músicas próprias. São grandes amigos do noivo e extremamente competentes no que fazem. Amam o que fazem. Casais dançam juntos, as crianças dançam com os velhos, os mais tímidos contentam-se em apenas bater o pé no ritmo da música enquanto estão sentados e existem também aqueles que estão quase esquecendo o que estão fazendo ali, pois beberam whisky demais.
Não convidaram muita gente, na verdade isso não era necessário, não era uma festa para os convidados. Era a festa do dia mais feliz e dos sentimentos mais esquisitos que já sentiram. Era a festa dos noivos.
Todos os homens já haviam afrouxado as gravatas, outros com a camisa por fora das calças, as crianças exaustas nos colos de suas mães. Foi um dia incrível. Poucos convidados, porem os mais sinceros. Foi um dia incrível!
Mas neste momento ele está sentado olhando para a metade da cerveja que resta na garrafa em cima do balcão do bar e pensando em tudo isso. “Como aquele dia foi incrível”. Pede outra cerveja depois de terminar aquela. O barman atende ao pedido, mas não pode deixar de notar o aspecto do homem enquanto atendia outro cliente. Depois de atender o cliente ele volta, abre outra garrafa e diz:
- Essa é por minha conta.
- Oh! Obrigado, cara. Como se chama?
- Lou.
- Obrigado, Lou.
- Não é nada.
- Meu nome é Thom. Thomas, na verdade. Mas pode chamar de Thom.
Lou olha para a mão esquerda de Thom para ter certeza e diz:
- Você está desarmado, não é, companheiro? Tudo em que você acreditou até agora parece ter voado pela varanda, não é mesmo? São incríveis as coisas que fazemos às vezes apenas porque estamos cansados ou embaraçados com alguma coisa. Arruinamos tudo com tanta facilidade. – Thom não consegue dizer nada, apenas continua ouvindo. – Eu acho que você deveria voltar lá o mais rápido possível, antes que isso se torne uma coisa pior do que a que você está imaginando que seja. Sabe por quê? Por que se não daqui a pouco vocês dois estarão dormindo de roupa com a desculpa de esperar o inverno passar. – Thom ri. – Sabe, Thom, você deveria voltar pra casa, abraçar ela no sofá por algumas horas enquanto toca a melhor música que vocês um dia já ouviram juntos. E sabe o que mais? Você poderia cantar pra ela também. Sim! Isso mesmo. Não há nada de errado com isso. Sabe por que tudo isso? Porque você está esquecendo o motivo pelo qual foi pego por essa mulher, meu amigo. Volte pra casa, hoje é sexta-feira. Fique com ela, não saia de casa por nada, espere até que alguém venha procurar por vocês. Faça tudo o que a TV diz, brinquem com as confusões das suas mentes, sente atrás do sofá junto com ela e espere ansioso por outro dia diferente como esse, companheiro.
- Por que você está me dizendo tudo isso, Lou?
- Thom, olhe bem pro meu rosto e me diga quantos anos você acha que eu devo ter.
- Quarenta e poucos.
- Cinquenta e dois, amigo.
- Agora olhe pra minha mão esquerda. – Lou levanta a mão na altura do peito. Não havia aliança. – Um dia eu já estive ai sentado no teu lugar, mas achei que não deveria voltar pra casa tão cedo. Depois disso eu vim parar aqui do outro lado do balcão pra não ter que beber toda essa porcaria que você pode ver por aqui.
Thom pagou a conta, agradeceu Lou e entrou no carro. Chegou, estacionou na garagem do subsolo e depois pegou o elevador. Tinha as chaves, mas resolveu tocar a campainha. Ela abre a porta e os dois se olham por alguns segundos sem dizer nada. Olhos nos olhos. Depois daquela conversa com Lou parecia que estava vendo ela pela primeira vez na vida e estivesse se apaixonando de novo. Ele passa a mão no cabelo dela, levanta o seu queixo que agora está caído junto com o resto de seu rosto fino, trás o olhar dela de volta junto ao dele e diz:
-Não se preocupe, ok? Tudo vai ficar bem enquanto ainda tivermos nossos olhares e os nossos perfumes. – Ela sorri, pega em sua mão e leva-o pra dentro do apartamento.
Filipe Lemos