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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Rápido pensamento antes de uma despedida


    Até mais. Lembro-me apenas dessas últimas palavras. Já não o olhava, seguia o caminho para casa. Por segundos pensei em me virar, encará-lo e dizer... (qualquer coisa que ofendesse). Havia perdido um domingo junto dos meus amigos - o último antes de voltar para a cidade onde vivia - para encontrá-lo e tentar. Tentar o quê? Os meses que se passaram não me trouxeram nenhum ensinamento? A resposta era afirmativa, minha posição diante de tudo era de uma negativa sutil, quase sonhadora. Sabemos da verdade, tomamos gostinho pelo que dói, pois sonhamos com algum tipo de remédio que valha por todos os dias de agonia. E dor mesmo é aquela quando percebemos. Perceber e isso basta. A percepção é a beira de um precipício. Eu estava lá, em queda livre. Só não sei como escorreguei. Há de existir algo que nos dê um empurrão.
    Não me virar foi prudente. Talvez eu já soubesse, um dia ele perceberia que suas certezas eram incertezas, já não sabia o que queria, estava totalmente coberto de infeliz poeira e, sobretudo, o tempo passou rápido demais. Os dias, os meses, os anos. Chicotes do tempo. Água fria em nossa cara. Só nunca pensei que tudo que estimei e julguei ser mais valiosos fosse de areia. Um vento e estava tudo desfeito. Acreditava. Finalmente tinha me encontrado em um outro, ainda negando que nos encontramos quando os dois estavam perdidos. Somos bússolas quebradas, todos nós. Contudo negamos e fingimos ser melhor andar em uma linha atribuída como sensata, perdemos a oportunidade de entrar no olho do furacão e irmos para o desconhecido. Sempre vestiremos sapatos de cristal e ao bater deles voltaremos para casa. Aquele dia com ele me mostrou que tudo mais era não. Não continuaríamos. Não pertencemos. Não. Eu não te amo. Então bati os meus.
    Até mais não, Adeus. Eu disse adeus. E caminhei para pegar o ônibus. A primeira pessoa a me ter e a se entregar a mim, ainda que rapidamente, estava diminuindo de tamanho à medida que dava meus passos. Nunca o beijei novamente, nunca viajamos, casamos ou tivemos filhos, como planejamos. Ainda assim isso não era de tudo ruim. Eu sabia. Em seus beijos, viagens, em seu casamento e em momentos com seus filhos, ele se lembrará de mim. E um dia, quem sabe, perceberá.


Matheus Torres

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Dolores

Cria dores
Trai dores
Mata dores
Recria dores
Trai dores
Mata dores
Recria dores
                       ............           Endo senfim

Camila Rocha

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Amanhã e amanhã e amanhã e amanhã...


Este texto é uma simples homenagem à banda Alexisonfire, que encerrou suas atividades como grupo recentemente.
Os trechos das cartas e o diálogo ao telefone são traduções livres de trechos das músicas “No Transitory” e “Sharks and Danger”, ambas fazem parte do álbum “Watch Out!” - Distort Entertainment (2004).


Há quem diga que viver é assumir diferentes papéis constantemente, como se a vida se desenrolasse como uma grande peça de teatro e viver não fosse mera encenação. Muitos desejariam que viver fosse fácil assim, ao menos existiria a vantagem de ensaiar as ações antes de se apresentar. Talvez seja muita presunção dizer que é fácil a arte de encenar. Quão difícil deve ser impedir que um personagem não assuma o lugar de quem realmente somos.
Certa vez um homem – sim, alguém como nós – por ter de encenar tantos personagens quase deixou de ser quem realmente foi um dia.
Após varias semanas de insônia castigante aquela fora uma noite em que finalmente havia conseguido a proeza de dormir e ao acordar na manhã de domingo pode ver sobre o tapete da porta uma carta. Assim estava escrito:

“Então isso é o que chamam de outra noite interminável. Tão cansado de acreditar se isso está certo ou errado, eu acho que esta causa está perdida, eu gostaria de apenas conseguir dormir. Sinto-me como um tipo de sombra, apenas um escravo das semanas. Se tudo der errado, se isso é apenas mais uma noite interminável você sabe que ali sempre haverá amanhã e amanhã e amanhã e amanhã...

Atenciosamente, Parte-de-você.”

A perplexidade envolveu os pensamentos daquele homem profundamente. ”Quem escreveu a carta?” “O que significam todas essas palavras?” “Quem será parte-de-você? Uma Mulher?” “Sem chance.” E o domingo se foi como deveria ir: Lentamente. Dormir mais uma noite foi uma conquista e a semana seguiu vitoriosa em noites bem dormidas. No final de semana decidiu responder a carta que havia recebido. Escreveu. Ao terminar deparou-se com um problema, não havia remetente na carta que recebeu, simplesmente fora jogada por baixo da porta (assim imaginava). Decidiu deixar a carta no lado de fora de sua porta, no chão. “Quem sabe alguém realmente espere uma resposta.” – Pensou.
Lá estava outra carta, coincidentemente no domingo seguinte. E a correspondência entre eles prosseguia de forma progressiva, em nenhum momento descobriu quem era Parte-de-você. Em uma das cartas ao desconhecido escreveu:

“Encontro-me em um constante estado de estar prestes a ser feito em pedaços. Então por que eu já não sinto nada? Talvez a ansiedade de viver essa vida esteja me sufocando, como se me sufocasse com arames farpados a ponto de me fazer perder os sentidos, os sentimentos, todas essas coisas e...”

As noites de insônia intercalavam-se nos dias da semana. Desde o inicio efetivo do processo de correspondência as noites de sono rotineiras haviam sido interrompidas, em contrapartida, o fluxo das correspondências crescia constantemente. Acreditava que aquilo realmente estava lhe fazendo bem, nunca, em sua pobre vida, pôde confiar em alguém. Sentia-se muito bem por ter alguém em que pudesse confessar suas inquietações.
Tudo parecia correr bem após alguns meses. Em um sábado qualquer decidiu fazer uma limpeza em seu apartamento. Começando pelo quarto, onde passava a maioria do tempo. Move algumas coisas ali, outras vão para o lixo perto da escrivaninha, algumas pra dentro do armário ou para baixo da cama... Foi quando descobriu um saco muito bem camuflado embaixo da cama. Abriu. Não pode acreditar no que via. Eram as cartas que respondia ao desconhecido. “Mas como, como podiam estar ali? Impossível!” Pensou em contar aquilo para alguém. Mas quem? Era um sujeito solitário, e mesmo que existisse alguém para ouvi-lo, quem acreditaria?
Por não entender e não se conformar com que se passava parou de escrever e já não dormia mais como antes. Ou já não escrevia mais por não conseguir dormir? Não sabia mais. Em uma manhã, fruto de uma noite privilegiada por raras horas de um breve cochilo, viu sobre o tapete outra carta. “Depois de tanto tempo?”

“Agora que todo o seu mundo se foi como se estivesse em chamas, essa noite continua interminável. Você pensa que ainda está em segurança? Parece que tudo deu errado, nós fomos descobertos, mas desta vez não haverá amanhã e amanhã e amanhã e amanhã...

Parte-de-você.”

        Decidiu não responder já que tudo não passava de um truque que ainda não sabia como funcionava. Na manhã seguinte lá estava outra carta, a última, que dizia:

        “Como a vida que está presa junto a mim eu pego tudo o que eu posso. Você nunca foi alguém para um confronto, mas agora tudo repousa em tuas mãos. Adeus.

Parte-de-você.”
        E assim, em vão, ele respondeu:

        “Quem estará aqui para dizer quão estúpido eu sou? Quem me protegerá de ser açoitado. Ansiedade me sufoca com arames farpados!”

        Ao terminar de escrever conseguiu entender o que se passou durante todo aquele tempo. Tudo fazia sentido agora (era o que acreditava).
        Dentro do escritório o som é de muitas pessoas falando nos telefones ao mesmo tempo em que os dedos batem nas teclas. Um telefone toca.
        - Psiquiatria St. Catherines, Linha de ajuda . Nancy, falando.
       - Estou certo de que isso soará incrivelmente ridículo e eu... Eu não espero que alguém acredite em tudo isso. Eu... Por um tempo venho me correspondendo com a minha sanidade e eu... Eu sinceramente tenho a sensação de estar perdendo o interesse no processo de escrever as cartas. As partes das cartas estão ficando cada vez mais curtas e curtas e eu... A coisa toda me deixa realmente preocupado. Eu só quero demonstrar que grande problema isso é.
        - Certo.
      - Eu meio que tenho esse... hábito terrível de ficar fazendo perguntas estúpidas a mim mesmo, como: e se... existir em meu corpo um ponto que eu possa tocar e fazer meu coração parar de bater? E se lá fora... existir uma bala certeira que atravesse minha janela e me atinja? Como: e se... e se existir um enorme e inevitável cometa vindo em nossa direção que destruirá a terra e todos nós? Como eu posso me livrar de todas essas perguntas se eu não tenho para quem fazê-las? Quem estará aqui? Por que... Quem estará lá... No hospital? Que irá me dizer que tudo isso é bobagem... É um sonho? Apenas um sonho. Isso não é uma piada. E eu... Eu nunca vou dormir?!

Filipe Lemos.

Fotografia.


      “Existia o mundo. Existia a vida. Existia Vovó Izilda.
    Vovó – ou Izilda, como preferir – tinha rugas, experiência, amor, uma aliança de viuvez guardada, cinco filhos, dezessete netos, quatro bisnetos e um câncer que acabara de descobrir em uma consulta médica. Ela, mais convicta do que quando fez seu primeiro bolo, resolveu gastar seus findos fôlegos se divertindo.
     Primeiro foi fazer caridade. Doou toda sua pequena quase fortuna guardada com esmero no Banco Central à um lar para dependentes químicos. Mas não foi o bastante, precisava de algo mais radical. Sua próxima parada foi à vendinha do Zé Tonho. Comprou um saco de milho, foi até a praça e tentou alimentar os pombos. No fim, alimentou mesmo foi uma família sem tetos que estava por ali. Mas não foi o suficiente, ela precisava de adrenalina. Já era quase noite e, depois de quebrar sua bengalinha em um buraco na calçada, se deparou com um parque de diversões aberto. Foi então que uma luz brilhou. O sonho de infância de Vovó Izilda era dar uma volta na Roda Gigante. O que poderia dar mais adrenalina que isso?! Pegou seu ultimo trocadinho e comprou uma ficha. E lá foi ela rumo ao brinquedo dos sonhos. Antes de completar a 2° volta, a roda gigante caprichosa quebrou com Vovó Izilda presa no mais alto cume; abaixo dela, assaltantes, como que teletransportados, surgiram com armas e reféns. Vovó mal acreditou na quantidade de dinheiro que estava sendo roubada daquele lugar. Como um parque de diversões tinha tudo aquilo? Porém, mantenham a calma amigos, a história não termina por aqui. De repente, e não mais que de repente, a super heroína chegou voando mais rápida que uma bala, decapitou e esquartejou os bandidos com seu machado da justiça, foi ovacionada pelos pobres mortais e sumiu; ainda, não mais que ainda, mais rápida que uma bala. Foi então que aquela musiquinha de parque de diversões sabor infância retornou aos alto falantes e tudo voltou ao normal. A roda gigante, que voltara a funcionar, deixou Vovó Izilda partir; esta, que por sua vez enjoada com todos aqueles 360°, apenas desejava morrer em paz.”
    
    - Mamãe, quer que eu leia outra história para você dormir?

Ana Esther

terça-feira, 16 de agosto de 2011