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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Uma História de Apartamento

        O alfaiate dá os retoques finais no smoking, quando diz:
        - Homem, por Deus do céu! Tente ficar quieto enquanto eu tento passar o broche e ajeitar essa flor em seu bolso.
        O esforço é enorme, mas não há nada que o faça parar de tremer. Os convidados já devem estar terminando de se ajeitar em suas casas com suas melhores roupas, sapatos novos, carros bem lavados. É muita pressão para um homem que apenas há alguns meses havia conseguido dizer pela primeira vez que amava alguém. Então ele diz ao alfaiate:
        - Amigo, já que nesse momento eu não posso fazer isso, vá lá e tome um drink por mim. Acho que eu consigo dar um nó nisso sozinho.
        A gravata e o drink eram apenas um pequeno pretexto. Desde que havia pedido ela em casamento não conseguia ficar sozinho um só dia. Pessoas preocupadas, pessoas fazendo perguntas, ajudando com os preparativos dizendo coisas legais, pessoas tentando serem legais...essa coisa toda.
        Foi um dia incrível! Todos estavam felizes. A mais sincera felicidade. Sinceridade como ela realmente é muitas vezes, rara e imediata. O salão é magnífico. Todo trabalhado em madeira, no melhor estilo pós-segunda guerra. Mesas alinhadas e com os arranjos mais encantadores que poderiam existir. De frente para as mesas está o palco onde a banda toca. Nada de músicas de outros artistas. Apenas músicas próprias. São grandes amigos do noivo e extremamente competentes no que fazem. Amam o que fazem. Casais dançam juntos, as crianças dançam com os velhos, os mais tímidos contentam-se em apenas bater o pé no ritmo da música enquanto estão sentados e existem também aqueles que estão quase esquecendo o que estão fazendo ali, pois beberam whisky demais.
        Não convidaram muita gente, na verdade isso não era necessário, não era uma festa para os convidados. Era a festa do dia mais feliz e dos sentimentos mais esquisitos que já sentiram. Era a festa dos noivos.
        Todos os homens já haviam afrouxado as gravatas, outros com a camisa por fora das calças, as crianças exaustas nos colos de suas mães. Foi um dia incrível. Poucos convidados, porem os mais sinceros. Foi um dia incrível!
        Mas neste momento ele está sentado olhando para a metade da cerveja que resta na garrafa em cima do balcão do bar e pensando em tudo isso. “Como aquele dia foi incrível”. Pede outra cerveja depois de terminar aquela. O barman atende ao pedido, mas não pode deixar de notar o aspecto do homem enquanto atendia outro cliente.  Depois de atender o cliente ele volta, abre outra garrafa e diz:
        - Essa é por minha conta.
        - Oh! Obrigado, cara. Como se chama?
        - Lou.
        - Obrigado, Lou.
        - Não é nada.
        - Meu nome é Thom. Thomas, na verdade. Mas pode chamar de Thom.
        Lou olha para a mão esquerda de Thom para ter certeza e diz:
        - Você está desarmado, não é, companheiro? Tudo em que você acreditou até agora parece ter voado pela varanda, não é mesmo? São incríveis as coisas que fazemos às vezes apenas porque estamos cansados ou embaraçados com alguma coisa. Arruinamos tudo com tanta facilidade. – Thom não consegue dizer nada, apenas continua ouvindo. – Eu acho que você deveria voltar lá o mais rápido possível, antes que isso se torne uma coisa pior do que a que você está imaginando que seja. Sabe por quê? Por que se não daqui a pouco vocês dois estarão dormindo de roupa com a desculpa de esperar o inverno passar. – Thom ri. – Sabe, Thom, você deveria voltar pra casa, abraçar ela no sofá por algumas horas enquanto toca a melhor música que vocês um dia já ouviram juntos. E sabe o que mais? Você poderia cantar pra ela também. Sim! Isso mesmo. Não há nada de errado com isso. Sabe por que tudo isso? Porque você está esquecendo o motivo pelo qual foi pego por essa mulher, meu amigo. Volte pra casa, hoje é sexta-feira. Fique com ela, não saia de casa por nada, espere até que alguém venha procurar por vocês. Faça tudo o que a TV diz, brinquem com as confusões das suas mentes, sente atrás do sofá junto com ela e espere ansioso por outro dia diferente como esse, companheiro.
        - Por que você está me dizendo tudo isso, Lou?
        - Thom, olhe bem pro meu rosto e me diga quantos anos você acha que eu devo ter.
        - Quarenta e poucos.
        - Cinquenta e dois, amigo.
        - Agora olhe pra minha mão esquerda. – Lou levanta a mão na altura do peito. Não havia aliança. – Um dia eu já estive ai sentado no teu lugar, mas achei que não deveria voltar pra casa tão cedo. Depois disso eu vim parar aqui do outro lado do balcão pra não ter que beber toda essa porcaria que você pode ver por aqui.
        Thom pagou a conta, agradeceu Lou e entrou no carro. Chegou, estacionou na garagem do subsolo e depois pegou o elevador. Tinha as chaves, mas resolveu tocar a campainha. Ela abre a porta e os dois se olham por alguns segundos sem dizer nada. Olhos nos olhos. Depois daquela conversa com Lou parecia que estava vendo ela pela primeira vez na vida e estivesse se apaixonando de novo. Ele passa a mão no cabelo dela, levanta o seu queixo que agora está caído junto com o resto de seu rosto fino, trás o olhar dela de volta junto ao dele e diz:
        -Não se preocupe, ok? Tudo vai ficar bem enquanto ainda tivermos nossos olhares e os nossos perfumes. – Ela sorri, pega em sua mão e leva-o pra dentro do apartamento.

Filipe Lemos

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Sem Título

E então você desaparece e de repente sente como se estivesse num caminho em que cada passo seu soa como a mais extrema agudez e existem portas nesse caminho, mas em cada tentativa de abrir uma porta que não deve ser aberta algo soa como um alarme... e seus passos continuam agudos e reverberantes. Nunca é um caminho fácil... Deus do céu, como não é!
        Não existe mais ninguém ao seu redor para que você possa se contrastar, se destacar ou ser reprimido. Você não é mais um signo e os caminhos do pensamento estão por todos os seus ossos e você permanece ali, imóvel. Resiste o máximo que pode. Salve o seu trono! Mas não consegue. Basta estar de pé para cair. Sempre estaremos de pé para cair de alguma forma. Eu ficarei para ouvir a chamada.
        Golpe de sorte? Força do Destino? Nesse momento parece que suas próprias roupas são roupas emprestadas. As canções são de lugares que ninguém conhece. E preso nos laços que nós mesmos tecemos nos inclinamos para saudar alguém superior. Você. Isso mesmo. É estranho, mas é você. Você com a mente acima do tempo e (você) ele diz: “É meio frio aqui, mas eu... eu me sinto muito bem em poder ver você, cara. E eu...eu espero mesmo que você encontre um caminho melhor e... é a gente sempre consegue. Mesmo que faça tanto tempo eu só quero que saiba que é bom te ver, sabe como é. E mesmo quando tudo o que temos muda podemos ser cuidadosos, gravar e depois chamar de experiência. E eu... eu vou sempre estar por aqui, mesmo nos feriados e... você deveria me ligar algumas vezes também, eu sempre vou estar por aqui e também não preciso dizer que você não paga nada por isso, certo? Até mais. Espero te ver mais vezes.”
        E então você volta! Suas mãos estão afastadas de tudo. Você não toma as decisões sozinho. Cumprimente o Grandioso, essa é a hora. Mente acima do tempo. Mente no tempo. Sua mente ao longo do tempo.

Filipe Lemos.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O Narrador

       Acorda. Levanta. Lava o rosto. Ascende um cigarro. Toma um gole de café...depois um gole de café com leite. Outro cigarro. Escova os dentes. Sai de casa depois do almoço, encontra os amigos, falam besteira, bebem juntos, fumam juntos, comem juntos. Ouvem musica. Passam mal juntos...
        Não sabe direito aonde está acordando. Olha para um lado, outro lado em seguida, tudo isso lentamente. Ressaca! Está na garagem de um amigo. O amigo está dentro do carro que não funciona – de ressaca também. Não deve fazer idéia de onde esta dormindo.
        Levanta. Ascende um cigarro. Tenta acordar o amigo. Dessa vez não tem café. Só em casa. Abre o portão...
        Poderia dizer que este sujeito sou eu, ou melhor, fui assim um dia. Hoje apenas digno de ser narrado. Digo que fui – o que já não existe mais. Do contrario não seria possível narrá-lo.  Narramos o que não existe ou o que pode vir a existir, mas se existir será difícil de narrar. Posso narrá-lo porque hoje tenho domínio sobre sua breve existência. Conheço tudo o que pensou, desejou e deixou de sentir... e posso dizer com completa certeza que tudo não passou de um breve sonho  (relato, se preferir assim). Divertido, porem um sonho. Vejo muitos iguais a ele ao meu redor ainda hoje, em todo lugar que eu vá. Imersos na vida que outras pessoas vivem por eles; sacrificando suas expectativas e seus desejos mais puros e sinceros em troca da maldade que os seus próximos esperam ver neles. É triste... mas é um relato que não tenho competência para narrar. Cada narrador deve descobrir seu próprio personagem principal e quem sabe um dia narrar algo sobre ele.
        Enfim, este sou eu; fui assim; não existe mais eu. Para muitos teóricos agora apenas Narrador.

Filipe Lemos

Dream Box

He put my dreams in a box.
Pus. 
Puto ...
Putésimos!
Pulícia!
Parado!
Tarado!
Barato!
Barras,
Banho,
Blood.
They put my dreams (and body) in a box.
Puseram.
Putos.
Putésimos!
Palmas.

Ana Esther