Páginas

sábado, 22 de outubro de 2011

O Silêncio

    Um homem corre nu e desesperadamente até o fim da floresta. Parado ele observa a montanha que surge diante de seus olhos. Com grande lentidão ele sobe. As rochas o ferem, o cansaço é quase maior que seu medo...e o peito pesa cada vez mais, porém sobe...angustiado, com o coração manchado pela culpa. É difícil compreender o que acontece – e sempre será -, mas a sensação é de algo que desmorona, uma demolição incontrolável de uma estrutura colossal. Insistente ele sobe um pouco mais. Todo seu corpo está enfraquecido, mas com a cabeça baixa ele sobe. Não dá mais! Apoia-se em uma borda da montanha com seus braços fracos e trêmulos e algo em seu coração insiste em doer.
    Eis o primeiro homem. Sentado. Apavorado. Agarrado ás próprias pernas enquanto chora de medo, desespero, culpa. Em meio ao crepúsculo é possível ver e sentir o doce cheiro de uma enorme angústia que paira no ar. Enormes nuvens de fumaça são vistas de longe ali da montanha; ascendem ao céu e fundem-se com ele ofuscando o brilho que o incêndio causa. Há muitas horas atrás este homem encontrava-se em sonhos de campos verdes e belos rios, porém acordara em uma manhã em que talvez não acordar fosse a melhor opção.
    Assombrado pela memória de um paraíso perdido, em sua juventude ou sonho – ele não consegue ser preciso- ele agora está acorrentado a um mundo fracassado. Nada mais será o suficiente. Nada mais. Lembra-se de sentir seu sangue congelando e coalhando logo em seguida pelo medo. Seus joelhos tremeram e procuraram o caminho que encontraria a noite. Suas mãos enfraqueceram no momento da verdade. Seus passos vacilaram. Pela primeira vez a culpa se apresentou à linhagem dos seres humanos e suas consequências permearão todos os discursos por eles elaborados.
    Um mundo. Uma alma. O tempo passará como correm os rios.
    Em pé, lá do alto, ele observa, com dificuldade em meio a escuridão e as lágrimas, os animais correndo e morrendo, as aves todas dispersas e perplexas em seus voos, o incêndio que castiga o imenso jardim e o faz desaparecer. De joelhos ele cai. Lentamente, imagem e semelhança do que deveria ser em sua maior parte divino desmoronam até se tornarem por completo em algo mortal e confuso. Uma cabeça. Peito. Braços. Mãos. Pernas. Pés. Tudo. Está desconstruído por completo, sua nudez o incomoda, deseja esconder-se. Hábito que trará a sina das perguntas intermináveis que afogarão os filhos mais distantes em inquietações no que se chamará futuro, e de agora em diante serão sujeitos ao tempo...ou morte. Como desejarem chamar.
    Fala consigo mesmo – e isso também é novidade agora -, com sua própria mente. É como falar com um rio de amores e dedicações perdidas, e o silêncio responde a estes convites eternamente redundantes. É terrível! Como o fluxo escuro e perturbador de um mar denso. Severa indicação do que virá a ser.
Sente frio pela primeira vez. Tosse. Surpreende-se. Há um vento invencível que sopra esta noite, há poeira em seus olhos, cegam sua visão. O silêncio. E o silêncio insiste em falar mais alto do que aquelas palavras... de promessas quebradas.
Filipe Lemos.