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sexta-feira, 29 de abril de 2011

Voraz

Esse espelho não para de ficar me olhando!
U-hu... nem to vendo........
Mas não cansa de ficar me olhando!
Prestar atenção na paisagem...
Que ta vendo de tão importante por aqui?
Eita! Não para de olhar!
Gostou do que viu?
Vamos encarar essa...
Averiguando de pertinho...
Slupt!!!
Tava a perigo, hein meu?!?

Marcelo de Paula

Música do Dia.

Beat the Devil's Tatoo - Black Rebel Motorcycle Club, por Filipe Lemos.

Nos Braços da América

    Era uma noite fria de 1981. Uma noite tão escura que as estrelas pareciam estar em luto. Roosier sabia que não devia ter atendido o convite para aquela reunião de reencontro de veteranos de guerra. Encontrar alguns conhecidos e desconhecidos foi sua intenção, mas não imaginava levar um golpe tão bruto em sua alma.
    Os horrores do Vietnã durante muito tempo deixaram de visitar seus sonhos. Houve ocasiões que até mesmo acordado via aquelas cenas, como se tivesse voltado ao passado, vivas, tão reais quanto naquele tempo, assim como a voz de seu comandante também. Com muito custo havia se livrado de toda essa maldição. Mas naquela noite todas as lembranças voltaram inconvenientemente para o lugar que possuíam em sua mente.
   Deparou-se com alguns marines com quem havia servido em 61, precisamente em outubro de 1961, quando o presidente Kennedy havia ordenado o envio de um Esquadrão Farmgate da Força Aérea para o sul do Vietnã. Doze aviões. Doze malditos aviões!
    Ver aqueles caras depois de anos... Deus do Céu! Alguns deles cingindo muletas, outros em cadeiras de rodas, outros beirando a demência – todos tributários da piedade de suas esposas e filhos. Aquilo foi demais para Roosier. Parecia que via as bombas explodindo novamente ao redor enquanto seus companheiros rastejam e clamam pela vida que queriam ter, a vida que haviam entregado para o exército.
   Não aguentou. Foi embora. Estava tão perturbado e desorientado que esqueceu-se de que havia ido de carro, foi caminhando para casa. A Guerra: Plante uma semente demoníaca e verá crescer uma flor em chamas. Era assim que Roosier entendia a guerra agora.
  Pelos becos daquela cidade tranquila Roosier caminhava, naquele momento onde as ruas não possuem nome algum; as ruas de sua memória onde os anjos famosos não ousam passar. Cada passo era um tiro dado pela memória contra sua alma. Voltou a ouvir a voz de seu comandante que dizia: “Fogo!”. Ouvia o peso dos aviões rasgando e baleando o céu azul. “Fogo!”. Os ecos das faces do medo correndo apavorados vale abaixo.
    Chegar em casa parecia impossível. Cada passo um tiro. “Fogo!”. Caiu na calçada. Seus lábios se moviam mas não conseguia falar. Acima de sua cabeça, caído, podia ver o brilho daqueles prédios cheios de amantes e mentiras, de lares despedaçados. Sentia-se como um daqueles sonhadores que morrem só para ver o que há do outro lado.
   Conseguiu se levantar. Depois de muitos passos e tiros o caminho havia encontrado seu fim. A escadaria leva-o para o primeiro andar. Suas mãos viram a chave e lentamente destrancam a porta. Lá fora um homem respira através de seu saxofone e pelas paredes ouvimos a cidade rosnar. Lá fora onde a chuva ensaia uma visita. Lá fora onde mulheres e crianças correm para os braços da América.

Filipe Lemos

Percepção Aguçada

    Ele quer brigar! Sim, ele quer. Olhos vermelhos para feras indomáveis. Ele me chama.
    Um copo de batida, para quem pede leve, um copo de whisky para o refinado e o meu, oras, o meu é de água ardente! Ele do outro lado do galpão, bate o copo uma, duas, três vezes. Ele me encara. Vamos! Ele se levanta e vai embora, pisando com força. Me levanto e sigo atrás dele. Corro sem correr. Ando querendo correr. Ele se distribui em 3 em plena noite. Eu não me divido. Me sinto puxado de um lado para o outro. Querem me derrubar. Me empurram e puxam com força e então tropeço no fio da calçada gelada. Eles são muitos e eu sou um em uma escura rua vazia. Nenhum movimento, mas eles continuam querendo me derrubar. O homem se volta até mim e ameaça: “Você me seguiu?!”
    Formigamento sinto surgir de minhas entradas. Tremo. Roça-me o abdômen e respondo às coceiras com uma intensa gargalhada, sonora. Ele calcula a distância entre nós. Não há muito espaço. Covarde, tenta correr ou talvez busca uma nova tática para me matar. Suas pernas queriam brigar comigo, por isso logo se mobilizam. Ele treme. Deve ser sua ira. Ele sua, deve ser por raiva. Pede “Por favor, não me mate!”. Não, ele quer morrer. Ele me persegue, eu o persigo. Não temo ninguém. Estico o braço, estendo o revólver que tinha dentro do bolso. Com um só tiro, arranco meu assassino deste mundo. Ele busca falar, fugir. Não pode. A morte já estava ali, no escuro, com sua imensa capa negra a arrastar no chão. A noite por si só é a morte. Sua capa escura leva o sol e o suspiro azul do céu. Mas logo este ressuscita. Já aquele homem não ressuscitara. A morte não o apanha no chão. Ela me observa, incrédula. Apenas me defendi!
    Busca voltar para casa, mas não me encontro. Entre tantas ruas mal iluminadas, me encontrei em uma, com apenas um poste. Encontro outro homem. Infeliz, ele me observa. Quer permanecer contra a parede. Sim, ele tem medo! Me imita, quem sabe para simpatizar. Tudo em vão. Mostro minha arma. Ele me mostra a dele. Ora, por que é capaz de mostrar sua arma e não mostrar seus traços?! É covarde.
    -Você que é covarde! – diz, lendo minha mente.
   -Que audácia! Falar isso para mim! – respondo – Já fui capaz até de matar!
    A morte chega novamente. Senta do outro lado da calçada e observa-me, sorridente. Já ao homem que tenho contra a parede, lhe ofereço minha coragem: aponto e atiro. Contudo, ele não morre.
    -Só morro quando você morrer, tolo! – me diz.
   -Então, que assim se faça – aponto a pistola diretamente contra o peito, ou ao que me parecia, uma vez que ainda me sentia puxado e empurrado para os lados. De repente, essas mesmas mãos que me governavam, me derrubam no asfalto. Mas o homem também cai. Ambos caímos. E a morte finalmente se levanta e me dá sua mão, sorrindo, simpática, como uma mãe que acolhe o filho... Contudo, ela queria brigar... 

Ana Cecília.

Música do Dia.

Jump - Madonna, por Thiago Oliveira.

Morte

    Flores. As mesmas flores que tão precocemente são arrancadas dos campos virgens e orvalhados, agora permanecem imóveis e secos sobre a madeira límpida. Flores. Que de tão intactas, resplandecem sua imaturidade...Por que, oras, por que arrancá-las? Que de tão novas morrem, nas mãos impróprias dos homens e não às mãos em que estas pertencem: as mãos do tempo. Flores intactas? Não, já consigo ver em suas pétalas, rachaduras impróprias, invisíveis aos olhos humanos. Já sem vida, murcham, morrem.
Sangue.
    O sangue tão vinho, tão vívido em veias alheias, tão plácido e vivaz. O sangue de irmãos, homens, nada mais é do que uma herança. Caim e Abel: irmãos....vítima e assassino. Por que, oras meu Deus, por que matar Mineirinho? O homem mata seus iguais por medo. O medo é o grande monstro do homem. Matar alguém, supostamente assassino, seria justiça? 13 tiros, sem piedade. 13 tiros e nada menos. Bastaria um para matar, dois massacrariam alguém, três já exterminariam sua alma. Maior é o assassino que mata por vingança do que por medo.
    Sangue e flores, ambos se fundem. Um sobre o outro.

Ana Cecília.

O Veneziar

    Águia. Não ficou boa.
  Macaco? Era o que Duda queria. Leão foi a escolha da maioria, mas...não. Este baile de máscaras me atormenta a vida.
    E meus olhos trancados na gaveta.
    Mamãe queria coruja; ela sabe escolher. Eu não. Ou talvez ainda não.
   E se pegasse meus olhos na gaveta? Não. Libertá–los quebraria este espelho e faria Pandora sentir menos remorso.
    Vou de coruja mesmo. Existir ainda é melhor que ser.

Ana Esther.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Renda-se

    Não conseguia se lembrar de quando foi a ultima vez em que a vida havia sido diferente. Sujeitos como ele viviam como criaturas noturnas e o amanhecer era apenas o fim do expediente marginal. Todas as noites o garçom e o balcão o acolhiam, muitas histórias eram contadas e inventadas por ele ou por derradeiros beberrões como ele.
    Como gostava de histórias, principalmente de escrevê-las. Escrever era um prazer, o seu gozo. Uma fuga. A escrita fazia com que caísse no esquecimento de si mesmo. Escrever sobre outras pessoas era confortável.
    Em uma noite sem novidade, como tantas outras, chegou, acomodou-se no balcão e viu um detalhe novo na decoração da parede atrás do garçom. Um comprido espelho, estendendo-se por toda parede.
    - Diabos, Fred! Pra que um espelho? Bêbados não enxergam.
  - Ajuda a refletir a luz. Como você mesmo disse, bêbados não enxergam... e dão muito trabalho.
    Aquilo realmente perturbou-o. Havia décadas que não dava atenção ao seu reflexo. Estava velho, surrado e a barba já não causava mais incômodo. As surras e a bebida fizeram com que o tempo e sua passagem perdessem a importância.
    Voltou mais cedo pra casa naquela noite, aquilo foi demais para um velho como ele. Logo decidiu: “Nunca mais volto naquele bar. Um bar não precisa de espelhos”. Desse dia em diante suas personagens seriam pessoas jovens. Decidiu. Jovens e bêbadas. 

Filipe Lemos.

Música do Dia.

All My Lovin' - Rita Lee, por Marcelo de Paula.


terça-feira, 26 de abril de 2011

Anatomia Revisada

    A silhueta era destacada pela escassa luz do luar. Uma linha tênue dividia a sombra humana de todo o breu ao redor. O vento era calmo, mas os cabelos se desgrenhavam aos poucos, bem como as gotas da chuva eram delicadamente lançadas sobre a pele já gélida. Delicadeza. Até o chover conseguia ser mais gentil e acolhedor do que aquele a quem amara.
    O chão áspero e molhado – posto sob suas pernas e pés – sustentava toda a bagagem que trazia até aquele momento: uma cabeça atormentada que se cansara de pensar nas possibilidades – quem sabe infinitas – de como seus corpos poderiam estar em noites como aquela; e um coração – ainda batendo – porém periodicamente estilhaçado. Suas mãos repousaram sobre o peito, as mesmas que se desgastaram em intermináveis cartas e desenhos jamais entregues. Pés cansados e doloridos – mal saíra do lugar. Seu cansaço se dera pelas caminhadas por infernos particulares e terras jamais conquistadas. Vivera em uma rodoviária de incertezas e perdera o último ônibus para... Não sabia ao certo. Sempre fora a mesma criança perdida.
    Não fora abandonado – se quer teve a oportunidade de um simples primeiro contato. Fora negado. Negado com o silêncio, a mais cruel canção que seus ouvidos apreciaram. Ao menos contara e expusera tudo de mais puro que havia dentro de sua pequena caixa torácica. Não com a voz - a boca só se abrira para o café pelando, fumegante – e sim com palavras. Corpo e alma, ambos colocados em um envelope pardo, com letras garrafais e caprichadas. Estava em sua complexidade naquela carta. A única que tivera coragem para entregar de fato. Mal fora lido e parara na lata do lixo.
    Repousara todo seu corpo no chão à medida que a chuva caia cada vez mais pesada. Nem todas aquelas gotas – muito menos as águas de todas as tempestades, dos vastos oceanos – possuíam o volume das lágrimas que banharam sua face. Os olhos – pobres olhos, não sabiam nadar – morreram afogados.
    Contudo, sabia, de uma forma ou de outra, assim como uma cicatriz, se recuperaria e selaria os cortes. Mas uma vez seu corpo – desde seus pequenos dedos até as entranhas do seu estômago – estaria novamente em sua plenitude. Sua estrutura física seria um belo cemitério contemporâneo, onde sorrisos cor de sangue floresceriam mais cedo ou mais tarde.
    Por enquanto celebraria seu funeral com a chuva, a lua (por entre as nuvens) e o chão. E esperaria. Como um cristo renasceria. Poderia se dilacerar novamente, seu organismo faria o mesmo processo, quantas vezes mais fossem necessárias. À espera de uma unidade homogenia e indivisível. À espera do verdadeiro amor.

Matheus Torres.

Música do Dia.

Tive Razão - Seu Jorge, por Ana Esther.

Escola Primária Luz do Botafogo.

Escola Primária Luz do Botafogo – Aqui seu pitoquinho aprende gramática e erra sim!


Ao Senhor Everaldo Aparecido da Pedrosa

Caro Senhor Everaldo, venho por meio desta, expressar minha preocupação com seu filho e nosso querido aluno Vitório. Sou Branca Maria, professora de português do menino, e a mesma pessoa a quem o senhor veio tratar de possíveis problemas que Vitorinho poderia ter devido ao passado conturbado do senhor, quando ainda não havia se decidido entre Vesúvia e Everaldo.
Nós todos da escola nos comprometemos a cooperar no que fosse possível e contamos com a mesma cumplicidade para pedirmos urgência no combate e atenção a práticas perigosas notadas no comportamento de Vitorinho, as quais não serão solucionadas sem o seu devido apoio.
Não sabemos ainda se trata-se de um desvio psicológico decorrente da má resolvida sexualidade do senhor, ou pura falta de instrução ao menino, ou até mesmo uma leitura inapropriada – Álvares de Azevedo, talvez -, mas é com profundo pesar que informamos o tamanho ultraje cometido pelo seu filho.
O rompimento absurdo do decoro manifestado tão cedo nos alarmou. Estamos certos de que grandes problemas estão por vir e nos esforçamos a crer que o menino não o tenha feito deliberadamente.
Empenhamo-nos ao máximo para que práticas tais não ocorram; desde o maternal, por exemplo, nossos lindos alunos ouvem Os Lusíadas, Homero, Cícero e suas predições astronômicas... clássicos fantásticos, maravilhosos, contados por nossas professoras, colegas de trabalho.
Ainda que muito aprecie Vitorinho, martirizo-me e sofro a cada dia, achando-me agressora da cruz, por ter sido a escolhida pelo destino para presenciar tal fato.
Se estas linhas lhe indicam grande aflição de minha parte, esta ainda é maior do que pensas, porém não tão grande quanto o carinho que tenho por seu filho.
Sugiro, portanto, uma consulta a um especialista que possa tratá-lo.
O que vi ao procurar Vitorinho e achá-lo no banheiro do colégio requer atenção, muita atenção. O vi lá, sentado na privada, os olhos redondos, arregaladinhos, camiseta manchada de suco de uva, a lancheirinha do Ben 10 ao lado, no chão. Como pode um ser tão gracioso e pequenino...
No verso desta carta, segue um documento conferindo a Vitorinho três dias de suspensão; tempo crido bastante para buscar soluções.
Caro senhor Everaldo Aparecido da Pedrosa, seu filho foi pego comendo meleca.

Thiago Olivera.

Música do Dia.

Down In the Valley - The Head and the Heart, por Matheus Torres.



Vesúvia Volúpia

Havia na Lapa carioca um tipo bem interessante. Vesúvia morava à Rua 3, num sobrado que tomou por invasão, e era um travesti bem do mal feito. Os peitos ainda eram postiços, bem como as unhas e os cabelos que, se crescidos, assemelhavam-se a uma esponja de aço. Ganhava a vida se prostituindo, e com o dinheiro suado do trabalho, comprou uma peruca loura que quando associada ao seu rosto, resultava mais que bizarra.
Acreditava tão piamente ser uma mulher de verdade, que a tudo que competia ser de caráter biológica e psicologicamente feminino, julgava-se no direito de tomar parte. Sendo assim, até menstruava.
Foi então numa manhã ensolarada que ela acordou aos gritos, antes de poder recuperar-se da longa noite de serviços prestados.
- Vou ter um filho! Vou ser mãe! – afagando o ventre.
Jurava de pés juntos que um ser divino lhe veio ao sono e lhe garantiu que teria um filho. O primeiro rebento de três nasceria dez meses após o ocorrido e o pai seria um baita mulato fluminense de Volta Redonda condutor de circulares na capital, do tipo parrudo, peludo, recuperado; gandula do Puxa Firme F.C. em tempos idos.
Passou a sentir-se na obrigação de portar-se como uma mãe responsável e mudou radicalmente. Comprou uma peruca channel preta, que acreditava dar-lhe um ar mais sóbrio. Os saltos diminuíram e o contrário aconteceu com os shorts e afins, que cresceram a altura do joelho, e de lá, nenhum dedo mais acima. Já não ingeria álcool nem fumava.
Revelado o futuro pai de seus filhos e sua profissão, a “querida”, como os mais chegados a chamavam, só andava de ônibus! Não podia ver uma condução que logo dava o sinal e nela montava. Era a caça ao marido parrudo!
Ao amanhecer de uma quinta-feira, “querida” saía toda pimposa de seu apê a garantir o estoque de fraldas, quando virou o pé e rolou escadaria principal abaixo, se estabacando no chão após dezessete degraus muito bem descidos. A peruca havia ficado presa no corrimão, os saltos voaram feito papel, um dos peitos encontrou o chão antes de Vesúvia e o outro foi parar na bacia de roupas sujas de dona Maria.
Todos que moravam nos quartos do prédio ocupado correram a acudir a acidentada que jazia inconsciente no que seria o piso de um saguão de um velho hotel.
Uma mona muito da histérica saiu à rua gritando no meio do trânsito pra que alguém ajudasse a pobre mãe gestante.
Uma van lotada de passageiros que rumava o Jardim Oceânico parou pra prestar auxílio. A motorista do veículo não tardou em carregar e alojar Vesúvia num dos bancos pra socorrê-la.
Os restos da travesti ficaram na escada; na cama da enfermaria repousava um homem. Ao que a condutora que o socorreu lhe disse:
- Tão parrudo, moreno... Esse peito cabeludo! Se te dissesse que gamei assim que te vi, ia ficar triste, amorzinho?
- É... nem sempre é do nosso jeito. – resmungou sem que a apaixonada entendesse, e prosseguiu em alto e bom som após respirar conformado. – Até sonhei com você! Prazer, Everaldo.
Everaldo recordou então do sonho que tivera.
Tratava-se de Dercy Gonçalves visitando-o em casa e dizendo surpreendentemente bem comportada as seguintes palavras: “Abre bem o olho, rapaz! Uma mulher muito da boazuda, motorista de van linha Jardim Oceânico x Barra, vai gamar bonito. Ela não resiste a um moreno peludo e parrudo assim igual você. Só não me faz a pachorra de voltar a puxar um daqueles, ela odeia! Ah, a motorista vai te dar três filhos maravilhosos. Tudo isso assim que você se desarmar e dar ouvidos ao que seu coração lhe diz! Beijo, que tenho que ir correndo e contar pra Dilma que o Lula só morre depois dos 80.”

Thiago Oliveira.

sábado, 16 de abril de 2011

Música do Dia.

These Things - She Wants Revenge, por Filipe Lemos.







Desmoral da História

Estavam sentados em uma sala Gandhi e Guevara a conversar:
- Grânde, conheces la estória de el sapo e el escopion?
- Meu nome é Gandhi, filho; e eu...
- Não importa, vou contar-te sabendo ou não. Apenas continue ai fazendo...o que estás mesmo fazendo? Estás com desinteria? Pode aliviar-te na 2º porta à direita....
- Chama-se meditação, filho; e é...
- Tanto faz. Apenas prestes atençión: Era uma vez el sapo e el escorpión. El sapo queria atravessar el rio, porque tu sabes que sapo nada, sim?! Por isso ele queria atravessar el rio...ou será que era el scorpion ??? El fato é que ele queria atravessar el rio. El escorpión era bonitón si?! Fuerte, alto...se chamava Che. Che foi perdir para el sapo atravessá-lo por el rio. Tu sabes que escorpión não nada né?! Foi então que el sapo perguntou para el escorpión porque ele faria isto, já que Che poderia mata-lo em meio la travessia. El nombre del sapo...não me recordo, mas podemos chamá-lo de Grânde, como tu. Também, para acreditar em el escorpión quando ele disse que não faria nada, tinha que ser mesmo um grande bobo... Pela tua cara vi que não gostastes do nombre del sapo....Pode ser Mahatma, que também és um nombre grande.
- Filho, por favor, eu consideraria a hipótese de deixar para contar esta história em um momento mais oportuno, não estou conseguindo medit...
-Cala-te! Não terminei minha história ainda: Foi então que no fim de la travessia el Che – bonitón – matou el Mahatma – el sapo bobo. Quando el sapo perguntou para el escorpión” Por qué? Por qué?” Ele disse “És la minha natureza”. Gostaste da história, Grânde? Muito boa, não?!
- Eu apenas quero meditar, então, por fav..
- Espera!Acho que contei la história toda errada...Voy recomeçar. Era uma vez...
“191 emergência, 191 emergência. Aqui é Águia de Ouro solicitando reforço de viaturas. Assassinato na rua Realidade. Suspeito: homem, por volta de 53 anos, indiano, careca e vestido com lenços. Vitima: homem latino, 36 anos de idade, vestido de soldado e com a língua arrancada. Repitindo, aqui é Águia de Ouro solicitando reforço de viaturas. Recompensa de R$2.000 para quem conseguir capturar o assassino.”

Ana Esther.

Música do Dia.

Wind of Change - Scorpions, por Gabriel Dangió.



Irreversível

  Em sua sala-de-estar, o homem, sentado em sua poltrona de couro, de frente para o espelho, contempla sua imagem desgastada de ressaca, sem mais a pompa de outrora, rosto manchado de dor, roupa carcomida, imerso em pigarros e bitucas de cigarro. A mão que não segura o fumo tateia o criado-mudo ao lado em busca da pistola, a encontra perto do retrato de sua mulher. Foi a vontade de morrer que trouxe a pistola para próximo do peito e a encostou como se encosta a face de um filho. Uma única munição, bastava para explodir seus miolos no carpete cor de vinho. Viu, no reflexo invertido do espelho, que no relógio de parede o ponteiro corria em sentido anti-horário – tac-tic tac-tic –, suas memórias lhe invadem enquanto sua vida passa diante de seus olhos no sentido inverso ao de se viver.
  Viu pelo espelho que lá estava ele, num dia nublado e chuvoso, debruçado sobre o caixão de sua mulher, com seus olhos encharcados de sentimentos verdadeiros; se sufocou no remorso. A defunta mal teve tempo de parir seu filho que carregava no ventre. As velhas carolas se extasiavam com a dor trágica demonstrada pelo marido; isso que é amor, diziam uma para as outras. Tac-tic tac-tic... E lá estava seus olhos arregalados de espanto ao ouvir da boca de uma velhota beata presente no funeral que Agostinho não voltava pro Brasil fazia muito tempo, seu velho companheiro de juventude havia se firmado na Europa e abandonou de sua pátria mãe de uma vez por todas, uma ingratidão que só vendo, esbravejava ela aos sons dos trovões tempestuosos; depois, na boca de um daqueles velhos conhecidos que só reencontramos em dia de cortejo funéreo, o boato da carola se confirmou sem margem às dúvidas. Agostinho já não punha mais os pés nesta terra fazia anos, desde que o viúvo e a defunta haviam se casados, e nem pensava em fazê-lo, se esquecera até dos familiares quanto mais dos amigos; já havia constituído família com uma bela parisiense e era aclamado no circulo social a qual se propunha. Ouviu tudo apavorado enquanto seu demônio interior ria às gargalhadas da astucia que havia usado para ludibriar aquele homem ao crime.
  Num inverno rigoroso, ao badalar da meia-noite escura, o corpo de sua mulher jazia estendido na calçada de frente para a casa, inerte e sem vida. Os alcoviteiros fuxicavam e rondavam como abutres que sentem o odor da carniça, enquanto o homem que perdera sua mulher abraçava o corpo cadavérico em pranto copioso. Oficio inquirido e logo as suspeitas se confirmaram: suicídio. Já havia tempo que sua mulher expressava acedia e desgosto com a vida, depressão recorrente às grávidas, mas por vezes fulminantes. Ela fora incapaz de sustentar o peso da existência e, como uma loba que intenta em proteger seus filhotes do sofrimento de serem cruelmente vítimas de outros animais, levou consigo sua prole para a morte; assim se registrou nos autos. Mas a vida não é a certeza de uma sentença judicial. Certeza, alias, é uma única, de que certeza não se há, mas sim uma convenção humana. Somos sempre consequência de um sequência de incertezas que consentem em culminar numa grande não certeza, conhecida nas bocas como Destino. No impeto da fúria agarrou, com uma das mãos, sua mulher pelos cabelos, com a outra, tapou sua boca para que não fosse ouvida e a jogou pela sacada. Congelado, sentiu um arrepio gélido subir pela sua coluna até a nuca quando viu o corpo que carregava o gérmen do adultério cair e se estender na calçada. Já não havia mais dúvidas para ele, a gravidez era fruto da infidelidade da mulher com Agostinho. Cada sentença e cada titubear na fala da mulher era uma afirmação maior do adultério. Quando foi ferozmente inquerida, não conseguia negar o amor pelo velho amigo, mas jurava solenemente nunca mais ter o visto, a despeito das provas existentes no momento – incoerências da falsidade feminina, pensava ele. Já desde o princípio da gravidez ela apresentava apatia no viver. Certamente o malandro, ao saber que ela tinha emprenhado, havia a deixado com uma mão na frente e outra atrás e, agora, restava ao corno cuidar do bastardo.
  Regressa ao dia que recebera a notícia: seria pai, mal pôde acreditar – havia de ser um milagre! Foi a felicidade ao saber que uma criança sua estava por vir, as preces e pedidos diários de sua esposa foram atendidos por uma intervenção divina. Invadiu-se dos sonhos e ambições paternas, podia concebê-lo no mais ínfimo detalhe. Seu moleque, um varão, sangue do seu sangue, há de imperar no mundo! Mas foi numa caixa de sapatos velha e carcomida pelas traças, jogada no fundo do armário, sob bugigangas aleatórias, que seu destino se traçou. Nela encontrou cartas de amor de Agostinho remetidas à sua mulher, algumas cria que recentes, de linguagem intima e afetuosa, além fotos da juventude compartilhada pelos dois amantes, souvenires da paixão. Naquela noite de outono de folhas mortas e sonhos rasgados, foi invadido pela dúvida do ser pensante – dúvida que, por vezes, amarga a vida. Nem bem havia sido pai e já perdera seu pirralho para outro homem. Para com os outros era a compostura do homem maduro, mas com ela era a incoerência nas atitudes, o demônio da bebedeira que o tirava de si e, por vezes, o levava a detrair e a pejorar a face de sua esposa com um escarro – capitão de sua dor em barco à deriva sob a sentença do Fado de não mais viver, mas sobreviver. Manteve o bico fechado, mas cada vez mais sentia asco por aquela mulher que rompera o laço de fidelidade e se exaltava com facilidade contra a infeliz. Havia jurado a completude da vida ao seu lado até que a morte os separasse, mas isso quando a própria vida não intenta em nos separar antes. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, assim havia de ser nas juras, se não efêmeras.
  Em alguns dos anos anteriores da vida, expresso em alguns pulsares reversos dos ponteiros do relógio de parede, foi o casamento de sua amada e deste homem refletido no espelho. Alegria incomensurável e votos de felicidade inesgotáveis feitos pelos que ali estavam para encher seus buchos na cerimônia. Pôde contar com a presença de familiares e de velhos amigos, alguns que já haviam dobrado as diferentes esquinas da vida e se perderam de vista há um bom tempo. Dentre eles estava Agostinho que, apesar de já maduro, ainda mantinha a mocidade nos movimentos e nos modos de falar dos tempos joviais, enquanto tagarelava de suas ambições em países estrangeiros e dos amores conquistados na cidade dos sonhos, Paris. Este rapaz, entre tantos outros, havia sido especial, um companheiro inseparável noutros tempos. Junto da noiva, a defunta adiada, formavam uma amizade invejável. Os três estavam unidos novamente, seus olhos brilhavam pelo reencontro que duraria até o fim daquele dia quando diferentes rumos haviam de tomar. A trindade se completava em cada pequeno detalhe; eram o pão, o vinho e a vontade da sede e da fome. Antes de capitalistas foram militantes de ideais anárquicos, exerceram sua juventude nos extremos. O jovem que não peleja, dizia Agostinho, é doente na sua jovialidade. Foram a chama intensa da juventude que queima aos infiéis heréticos e mais tarde se rende ao paganismo. Eram aquele espírito veraneio que há de se apagar no pôr-do-sol. Juntos deram o primeiro trago na brasa quente do tabaco que invadiu seus pulmõezinhos sacrossantos, uma entre tantas contestações às deidades impostas que são sempre seguidas pela construção de novos templos de adoração, pois deuses nunca se extinguem, apenas trocam de máscaras.
  Era evidente que sua mulher nutria afeto por Agostinho, mas jamais imaginara que ali havia mais do que amizade pura e idealista – mas o que é o amor senão a outra face desta mesma moeda? De fato se amaram, mas se abdicaram da paixão física por uma devoção maior de ambos a esse homem refletido no espelho. Ela era a vontade da sede e da fome, desejara a ambos desde o primeiro momento em que os viu, mas para o florescimento da paixão há necessidade da embriagues do vinho, a qual Agostinho era incapaz de fornecer; este era, no entanto, o pão que alimentava seu ser, indispensável à vida.
  Antes da trupe, na puberdade, este homem vislumbrou a morte em pessoa, pela primeira vez, numa cama de hospital. Sofria de leucemia e esteve perto dos mundos submersos por vezes; doença a qual o tornou estéril, consequência da quimioterapia que destruíra suas células germinativas, só seria pai se fruto da concepção divida. Foi naquele mesmo hospital que conheceu Agostinho, na cama ao lado, entrevado, com as duas pernas recém engessadas devido a uma molecagem. Seus espíritos inquietos se acalentavam com as divagações jogadas aos ventos, as quais os distraiam daquele fado terrível do aprisionamento naquelas camas de hospital. Foi no calor verão, sob as chamas do dia mais longo do solstício, que conheceu nos braços de sua mulher o amor, mais um entre tantos afagos femininos que como os tantos nunca foram. Fez-se então plural.
  Quando ainda pirralho que mal sabia abrir a boca, porém ainda são dos olhos, foi ao sitio de sua avó junto de seus pais prestar condolência à velha que já estava com o pé na cova. Era criança e indiferente a morte, gastou aqueles dias sendo moleque. Em meio ao esplendor da primavera, tocou a aurora de dedos rosados correndo nas pastagens verdejantes, rolava na terra com os cachorros e provava da água do riacho enquanto aguçava seus sentido; até colheu dum pé de maracujá selvagem um dos frutos, mas sequer pensou em violar o gomo para averiguar seu interior, se contentava com a beleza reluzente do exterior e o aroma verde. Colocou-o sobre a mesa da ante-sala da casa-grande e, todo dia ao acordar, contemplava o fruto cor sol nascido. Dias passam e o garoto percebe que seu maracujá perdia sua beleza, se encardia e murchava. Na ingenuidade da infância, perguntou à criada porque a casca do maracujá se enrugara como a casca de sua avó. É o tempo, respondeu a criada, o tempo apodrece tudo. De fato, contra o tempo, não se há remédio. Como a fruta apodrecida que virou adubo para o solo, pouco tempo depois a vida sua avó se esvaiu. Nisto encarou, pela primeira vez, a perenidade da vida sem sequer saber com o que estava lidando.
  Aprendeu a caminhar sobre a Terra e a interagir com o ambiente. No leite materno, éter do homem, foi a inocência do mundo, o riso gostoso do bebê e a felicidade da mãe que aconchega sua prole no âmago do peito. Chorou no primeiro raio de luz que invadiu sua retina quando as mãos hábeis da parteira o trouxeram para o mundo exterior. Em sono fetal, se aqueceu e se nutriu no útero de sua mãe. Foi o sopro da vida, a união dos corpos e o gozo da criação. Antes, não mais conjugável, nada.
  Assim, o homem voltando a enxergar seu reflexo pavoroso no espelho, arrastou a pistola entre os dentes e num único disparo cessou sua vida. Intentava a não existência, fútil, pois mesmo sem mais estar ainda era fadado a ser. Ele fez o que a vida fez de si, reflexo perpétuo, existência física ou transcendente que nunca se extinguirá enquanto esta folha de papel insistir ou no mundo das memórias persistir.

Lucas Bueno.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Música do Dia.

Fragile - Sting, por Ana Cecília.



Depois do Carnaval

Outro dia foi assim: o Zé chegou no bar e em nossa conversa dominical disse:
- Cê viu que triste o incêndio que destruiu os trabalhos das escolas de samba no Rio?
- Vi, claro que vi.
- Triste né?
- Sim.
- Mas o brasileiro é guerreiro, batalhador. Antes do carnaval vai tá tudo pronto de novo.
- Mais triste ainda – eu disse – é o brasileiro ser guerreiro e batalhador só porque é carnaval e já ta em cima da data.
Claro que o Zé praguejou, me chamou de chato e coisas do gênero. Mas depois ele disse:
- Sabe, você pode até ter razão. É, tem sim. A gente podia guerrear e batalhar contra a corrupção, desemprego, por salários melhores, essas coisas.
- Viu! Era isso que eu queria dizer...
- Mas deixa pra depois do carnaval. 

Filipe Lemos.

O Monstro do Armário

Horrível. Cruel. Aterrorizante. Era assim que Clara descrevia o monstro que vivia em seu armário, o pior de todos de que já se teve noticia. E é assim que esta história começa.
Clara não era exatamente a figura de uma diva, estrela de cinema, uma vilã ou um ser merecedor de recordações, que seja... Pequena menina calada, sem emoções ou percepções de presente e futuro, era simplesmente ela pela única condição de existir. O que a traz à tona e nos faz perder alguns minutos com sua vida insípida neste momento foi um fato ocorrido há não muito tempo, com uma não heroína, em um não palacete; talvez esta também seja, de fato, uma não história.
Uma porta entreaberta: foi o que bastou para desencadear em nossa personagem a mais terrível das reações. Nossos olhos são traiçoeiros, sempre trapaceiam nos mostrando algo indesejável de se ver. E Ela também viu... E sentiu. Aquele armário abrigava seu pior pesadelo, algo inexplicavelmente ruim, com razão e nenhum motivo para ser. Seu corpo paralisado, trêmulo, preso na armadilha do paradoxo real do qual somos todos migrantes; sua alma gritava calada, implorando por um momento de nada, nada além de si dentro de si própria. Respirar havia se tornado tarefa hercúlea.
Clara. O armário. O seu medo.
Durante aqueles intermináveis segundos, tudo saiu do lugar, nada mais era confortável e possivelmente não voltaria a ser. Parada à frente daquela porta, nada mais importava, o desejo de normalidade batia a sua porta para entrar; e entrou. Criou coragem, tomou em suas fracas mãos uma maçaneta e começou a empurrá-la. Porém, antes de trancafiá–lo pela eternidade, espiou pelo pequeno vão anguloso que a porta fazia e encarou seu monstro nos olhos. Era emoldurado com madeira antiga e face lisa. A única direção para a qual aqueles inexpressíveis olhos de Clara apontavam era o centro da figura, um reflexo adulto, magro, com olhar suplicante de dor e sofrimento em um espelho colossalmente grande. Uma porta foi fechada. A vida agora estava mais Clara.
E é assim que esta história também não termina, com tudo diferentemente igual ao que era antes. Horrível. Cruel. Aterrorizante. Era assim que Clara descrevia o monstro que vivia em seu armário, o pior de todos de que já se teve notícia.

Ana Esther.

Fim de Noite

Carência
Birita
Sexo profissional
Ilusão de amor
Boa noite Cinderela!

Marcelo de Paula.

Música do Dia.

Under Everything - Hot Water Music, por Filipe Lemos.



Começamos.


Assim começa nosso Blog. Despretensioso eu diria. A intenção é divulgar. Divulgar os textos de nossa turma na matéria Texto: Leitura e Produção, no curso de Licenciatura em Letras pela Universidade Federal de São Carlos, ministrada pela Prof ª. Dra. Maria Silvia Cintra Martins. Façam bom proveito dos nossos textos, nos ajudem com comentários, idéias, indicações, etc.

Filipe Lemos.